CAIK – COOPERATIVA DOS AGRICULTORES E AGRICULTORAS E ARTESÃOS INDÍGENAS
KALIKATTADAPA

Kali é o dono da maniva. Kali tinha um lugar na comunidade. Sem a maniva, os indígenas não viveriam, pois é a base da alimentação.
Um dia, o filho mais velho de Kali brigou com o pai. Por isso, o pai foi embora e os dois filhos menores ficaram com o irmão briguento. A roça acabou, porque o filho mais velho não cuidou. No entanto, com o tempo, os filhos mais jovens tinham comida, porque o pai deixou alimentos com o avô dos pequenos.
O filho mais velho (briguento) quis que o pai retornasse para a aldeia porque outras pessoas passavam dificuldades. O pai aceitou o convite e retornou, contudo, o filho já estava desnutrido, sem comida. Então o pai começou a explicar: Eu sou o próprio mundo, a bani (maniva). Sem mim, os Baniwas não sobreviverão.
Um dia, o pai morreu e se tornou a maniva, pedaço de mandioca que perdura para a manutenção da vida de toda a comunidade.
Assim, Kalikattadapa é uma árvore enorme, com poder dos pajés. É o centro da sabedoria. Rodenis, etnia que pertence aos baniwas, resolveram derrubar a árvore para conseguir os poderes dos pajés, mas sem convidar o avô, chamado Zuri. Na saída, Zuri perguntou onde eles estavam indo. E eles responderam que iam derrubar a árvore kalakattadapa. E de fato derrubaram. Cada pessoa pegou um pedaço da árvore (maniva) para fazer sua roça.
Quando decidiram derrubar a árvore, fizeram com que o avô fosse pescar, para não participar da derrubada. O inhambu avisou que a árvore tinha caído. Zuri saiu da água e despedaçou todo o kakuri – armadilha de peixe. Isto tudo aconteceu no rio Awari. Os peixes que já estavam presos iam caindo e depois de pisados, iam dando nomes para as formigas, até chegar onde estava a árvore caída. Quando ali chegou, Zuri pegou o poder dos pajés. Na verdade, Zuri não foi bom para a coletividade. Ele pegou também dentes de onça e fez um colar e se tornou uma onça. Então perseguia as pessoas, até devorá-las.
Kali não gostou nada disso. Fizeram, então um pacto, se perguntando, como tirar o poder de Zuri. A anta comeu um tal tipo de caldo e conseguiu tirar o cordão de dentes de Zuri e o deu para o irmão de Kali. Este porém, também se tornou do mal. Contudo, o poder do mundo passou definitivamente para Kali. E com isso, os Baniwas se tornaram os maiores produtores de mandioca do mundo.
Esta foi a história que ouvi de um baniwa chamado Ronil Fontes que é de Ucuqui Cachoeira e atualmente reside em SGC.

  • boa vivência comunitária; produção agrícola, caça, pesca e comida boa; trabalho comunitário; locais sagrados; pajelança; radiofonia; plantas; peixes e roças; frutas tradicionais; agente de saúde e educação.
    Os pontos negativos, ou que, pelo menos precisam ser melhorados foram muitos:
  • falta de saneamento básico; falta de estrutura na escola, prédio precário; falta de merenda escolar; dificuldade de comercializar o excedente; falta de qualidade na água; baixa caça e pesca; falta de uma bomba tipo carneiro ou sapinho que empurre água limpa; queda no poder de compra; falta de energia solar; falta de internet; necessidade de capacitar os produtores; falta de materiais de produção como machado, martelo, moto serra, oficina; falta de cursos de formação; falta de transporte para escoar produção e também transporte escolar; falta de valorização da cultura; abandono dos jovens, após concluir o segundo grau; falta de uma piscicultura; grupo musical ausente; falta de recursos para administrar a associação; animais silvestres destroem as plantações de abacaxi (porco do mato, catitu e anta); grande dependência da cidade de SGC; necessidade de cursos técnicos de produção; sujeira e poluição deixada nos lagos; apoio na criação de aves.
    Enfim, foram tantos os lamentos, as lágrimas, que nós nos sentimos impotentes, mas não desanimados, para levar os clamores deles aos órgãos competentes. No entanto, muita coisa depende só da própria comunidade como:
  • saneamento: construção de latrinas para defecar, em vez de defecar no mato. Foi orientado como construir as latrinas higiênicas e a cada seis meses trocar o local. E que construam de maneira que não provoque mau odor ou procura de bichos.
  • lixo orgânico: também reservar um lugar para concentração e posterior aproveitamento da terra para hortas.
  • água limpa: pode ser captada da chuva, pois na região chove quase todo dia. É o caso de adquirir cisternas de 1.000 litros e colher a água das coberturas. Teriam água branca para higienizar as mãos e até para beber, cozinhar etc…. Também aproveitar as águas das fontes, sem danificar a própria fonte. E por fim, cavar um poço, pois a terra é rica em veios de água.
    Quanto as placas de energia solar, a assessoria do MAWAKO ficou de consultar deputados e acionar programas para esta finalidade.
    Quando do retorno a SGC, estivemos no IFAM e conversamos com a professora Andreia, como já descrevemos acima. Cursos já programados para o ano de 2022.
    A comercialização dos produtos, para que sejam mais rentáveis, devem passar pela licitação junto à Prefeitura e exército. Não tem outro jeito, pois deve-se maximizar a utilização do transporte, já que a distância é longa e o preço da gasolina é muito alto.
    A comunidade solicitou a ajuda para elaboração de um projeto a ser apresentado à FOIRN, para a construção de uma maloca na comunidade Santa Rosa, que beneficiaria também as comunidades vizinhas, com divulgação das tradições, danças e musicas tradicionais. Já foi trabalhado e projeto e já encaminhado à FOIRN.
    Quanto a estrutura escolar e merendas, não há outra maneira de solucionar a não ser acionar os órgãos municipais, prefeitura e reiterar as cobranças.
    Aquisição de uma internet boa para uso escolar e da comunidade: não há outra maneira a não ser a comunidade se cotizar e adquirir. Tem coisas que , se a comunidade ficar aguardando pela vontade dos poderes públicos, acaba ficando para trás. E se organizarem e adquirirem tal produto, não fica tão caro para cada pessoa. O que precisa é controlar o uso, ter regulamentos e serem cumpridos.
    Nossas conversas foram além da maloca, pois tivemos oportunidade de visitar a roça de abacaxi do cooperado Sr. Ronil, na comunidade Tapira Ponta, com 12.000 pés de frutas. Notamos que alguns bichos estão danificando a produção. Falta ali um apoio da Embrapa, ou IDAM, ou mesmo ISA na orientação de como cuidar disso.
    Em conversa com as mães, ficamos sabendo que na cesta básica que ali chega, tem o produto trigo, que para elas é estranho e nem sabem como utilizar, pois o produto utilizado na preparação dos alimentos é a farinha de mandioca. Eles vivem muito bem sem o trigo. No entanto, faltam produtos de higiene pessoal, como escova de dentes, pasta. Isto está evidente no problema de dentição que eles sofrem, inclusive as crianças.
    Quanto a religiosidade, ficamos sabendo que nos rios Uapés e Tiquié, as comunidades são quase que 100% católicas. Ali continua forte a influência dos missionários e missionárias salesianos, com a continuidade daqueles que vieram depois. Contudo, no rio Içana, há uma forte divisão entre comunidades católicas e evangélicas. As comunidades anteriormente eram todas católicas, mas na década de 1940, uma missionária leiga, americana da igreja batista, chamada Sophia Müller, entrou pelo Rio Içana, desde a Colômbia, pregando a regilião batista aos indígenas. Infelilzmente também destruindo a cultura e pajelança deles, dizendo que tudo era do demônio. Com a persistência de seu trabalho e crença dos seguidores, muitas aldeias se converteram para a religião evangélica. Sophia Müller faleceu em 1997, na Venezuela.
    Em conversa com as comunidades que eram católicas e que hoje são evangélicas, ou ao menos divididas entre as duas religiões, ouvimos depoimentos no seguinte sentido: “não temos a quem seguir”. Os evangélicos estão mais presentes, pois o pastor mora na comunidade ou na comunidade vizinha e está sempre com eles. Assim, não tendo para onde ir, vão à igreja evangélica. Ao passo que padres da igreja católica passam na região, uma ou duas vezes ao ano. Um fato curioso aconteceu ali, em Santa Rosa. Fizemos uma celebração eucarística numa das manhãs e uma pessoa perguntou se a missa era mesmo de verdade, se podia comungar… tal é o nível de necessidade que o povo tem de participar da eucaristia.
    Em SGC, andando pelas ruas, ouvi uma pessoa sentada na calçada falando sozinha. E ela se referia a um padre. Ela citava, nas suas falas, um contato que tivera com um padre. Demonstra aí que a presença da igreja, mesmo tão esporádica, sempre marca a vida das pessoas. Pena que não é mais frequente.
    Percebemos que os indígenas gostam muito de conversar. Nunca perdem a oportunidade de, durante as refeições se aproximarem e abrirem um assunto. Foi assim, por exemplo, com o catequista Gilberto, da comunidade Santa Rosa, que tem muita curiosidade sobre passagens do evangelho. Gostou muito da conversa, pois pudemos somar ideias sobre alguns temas que ele lê e tem a missão de conversar com seus catequisandos. O papo foi longo se estendendo até horas da noite.
    Assim, chegando ao final de nossa redação, ainda queremos acrescentar que, ao nos deslocarmos até o aeroporto, em conversa com o motorista da lotação ficamos conhecendo uma triste realidade no transporte urbano: as lotações que funcionam como taxis, são vinculadas a um ponto. E este ponto é propriedade de alguns comerciantes muito ricos da cidade. Para que um motorista tenha autorização de trabalho, ele tem que ter a permissão do proprietário da “vaga”. E para isso, o aluguel é de R$ 90,00 reais por dia.
    Ficamos sabendo, também, que existe um coluio com a prefeitura de ceder estes pontos aos “amigos”. Cada ponto custa em torno de R$ 120.000,00, poucos conseguem comprar a concessão.
    Considerando o preço da gasolina (R$ 7,09/l) , manutenção do veículo e despesa com o dono do ponto, muito pouco sobra ao trabalhador. O custo das passagens, para qualquer ponto da cidade é de R$ 4,00 (fixo), por passageiro.
    Ficamos sabendo de comerciantes que tem mais de 20 concessões de ponto de lotação. Isto para refletirmos quão desigual é a distribuição de renda e oportunidades neste nosso Brasil esquecido pela lei e pela justiça.
    Outra pérola para os ouvidos, em conversa com uma senhora, já no aeroporto, comentando que o município de SGC é 95% ou 97% indígena. E ela, branca, disse: “que seria dos indígenas se não fosse os 3% de brancos que aqui habitam”. É de doer o coração e o cérebro percebermos que existem pessoas neste mundo que pensam assim e se expressam. Mostra nossa grande missão de transformar a nossa realidade. Enfim…. o caminho é longo.
    Obrigado às companheiras e companheiro de viagem, Honeide, Ingrid e Pe. Raymundo.
    Abraços
    Luiz Carlos Catapan
    22 de novembro de 2021.

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